Círculo Imperfeito

Ainda hoje, a caminho do nada, dei por mim a pensar em tanta coisa, um turbilhão de ideias, de sentires que pesaram-me nos olhos e os carros deixaram de ser carros para serem palavras, as pessoas deixaram de ser pessoas para serem frases, a estrada deixou de ser estrada para ser pensamento. Soltou-se em mim a eterna dúvida, porque será o amor tão difícil, quando se gosta, gosta-se e ponto final mas nunca é ponto final, pois não, no ponto pendura-se um traço e fica uma vírgula, um mas…
Facilmente contaminamos o amor com todos os nossos receios e inseguranças, tornamo-nos míope na expectativa de o desfocarmos e de o perdermos do nosso campo de visão. Abrigamo-nos de um bem-querer que exige de nós o nosso melhor, talvez por nos acharmos indignos de algo tão grandioso, intimidamo-nos pela sensação quase onírica que nos provoca, do permanente estado de flutuação, de sorriso crivado nos lábios, de pupilas dilatadas. Em vez de deixarmos o abraço dos corpos fluir num só, receamos tudo, que nos rejeitem, que nos abandonem, que voltemos a sofrer como nos prometemos que nunca mais voltaríamos a sê-lo. Tapamos o encantamento, sufocamos a ternura, congelamos o coração até este entrar em hipotermia…será genético, será congénito, será aprendido, terá explicação científica, terá alguma explicação sequer?
Sonhamos tanto, queremos tanto ser felizes, que quando o sonho e/ou a felicidade estão tão próximos, chegando mesmo a sentir a sua respiração quente na nossa nuca, recuamos, tropeçamos nos nossos próprios pés, preferimos virar costas e continuar a sonhar os mesmos sonhos. Queremos acreditar que estes não acontecem, que são matéria gasosa altamente volátil, que não têm cheiro, nem forma, nem cor, desejamos fervorosamente porque acreditamos que nada daquilo se realiza…mas realiza-se quando encontramos alguém especial, quando alguém nos toca profundamente, quando o sonho se materializa num voz, num beijo, num abraço e estamos de mãos dadas com a felicidade. E nesse mesmo momento, em que temos tudo o que desejámos, preferimos perder tudo a ter de sentir algo que sai fora do nosso controlo.
Por isso, fechemos o nosso coração num cofre, continuemos a sonhar os mesmos sonhos, a acreditar na sua impossibilidade, abdiquemos da felicidade em detrimento de satisfações momentâneas, renunciemos a um amor que nos quer algemar e fazer felizes! Voltemos ao nosso caminho do nada, do pára arranca, de rosto fechado num sorriso encerrado, com o travo amargo na boca de que poderíamos ter sido tão felizes…

5 Responses to “Círculo Imperfeito”

  1. # Blogger Joana

    Tantas e tantas vezes que isso verifica! Mas penso sempre que o desgaste de energia que consumimos a fugir daquilo que desejamos não seria tão mais proveitoso se fosse canalizado para investir nas dificuldades naturais do amor. Nada é fácil. Nem ficar longe nem perto. Mas estar perto não sabe tão melhor?...então...
    Beijinho grande Susana :)  

  2. # Blogger Joana

    errata: a seguir a amor vem ponto de interrogação. Já se me aldrabava aqui a ideia toda à conta de um sinal.  

  3. # Blogger Rubim

    Pergunto-me porque raio quando estamos perto de alcançar um equilibrio afectivo fugimos, procurando sempre encontrar no outro razões para o impossibilitar. Seremos de uma geração condenada á solidão, devotada ao egoismo e incapacidade de partilha ?  

  4. # Blogger Sandro

    "Por isso, fechemos o nosso coração num cofre, continuemos a sonhar os mesmos sonhos, a acreditar na sua impossibilidade, abdiquemos da felicidade em detrimento de satisfações momentâneas, renunciemos a um amor que nos quer algemar e fazer felizes!"

    Comentar isto??
    Nem acredito no que li, como posso eu comentar isto...
    Abre antes o teu coração, vive qualquer amor, até teres certeza de que chegou mesmo ao fim... E sorri... sorri sempre!
    Beijo amiga  

  5. # Anonymous Anónimo

    Até para amar é preciso ter visão.A quem se deixe cegar pelas dificuldades do amor.vamos lá viver...  

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