Jogo desarmado

Ainda no outro dia falava com uma amiga, que me dizia que não sabia se realmente ama porque o amor não passa de uma construção social. E concordo, tudo em nós e nos outros é uma construção social, mas no entanto não possuímos transcendência tal que nos permita alienarmo-nos dessa condição, por isso se sentimos amor (mesmo que derivado dessa construção) é porque amamos!
Talvez o problema (isto é só uma teoria entre muitas outras) resida nessa construção social, é-nos fornecido pela sociedade e educação um conceito de amor que está profundamente desfasado de uma contemporaneidade de consumo rápido (efeito chiclete), que se alimenta de individualismos, comodismos e da virtual escassez de tempo. O facto é que desde muito cedo é-nos incutido noções de amor romântico, amor fantástico, amor dos contos de fada, conceitos que passam a constar no nosso genoma.
Os papéis tipicamente associados ao feminino e ao masculino estão descaracterizados, já ninguém sabe o que esperar do sexo oposto, já ninguém sabe como se comportar, os preceitos da conquista estão invertidos, os próprios papéis dentro de uma união romântica ou meramente sexual estão encriptados. Rejeitam-se os modelos protagonizados pelas gerações anteriores, porque se parte do pressuposto que já ninguém os pratica, que a mentalidade evoluiu mas evolui para onde? A emancipação da mulher acelerou as mudanças de mentalidade, mas não foram criados os alicerces necessários para sustentar tais mudanças. Neste entretanto, em que o anterior modelo de amor está fora de moda e o actual ainda não vigora, andamos perdidos em conceitos e identificações de género.
Acho que nenhum género é mais vítima do que o outro, esta falta de alicerces desprotege-nos, sentirmo-nos presas e encaramos os vários relacionamento como caçadas, esta vulnerabilidade reforça as nossas protecções, e edificamos muralhas e envolvemo-nos em redomas e passamos a ser simultaneamente caçadores e presas!
Será medo, será vulnerabilidade, será indefinição de papéis, será o efeito instantâneo da sociedade consumista, será que é apenas um factor ou todos eles em simultâneo que contribuem para a descredibilização do amor tal como nos fora ensinado? Vivemos numa era de mutações rápidas, porque haveria o amor e a amizade não ser tocado por esta condição. Mas neste jogo, haverá sempre uns mais vencedores do que outros, uns mais enganados do que outros, sempre fora assim, quem entra no “jogo” corre o risco de sofrer mas também de amar e de ser amado. Há quem engane por ser maquiavélico, mas também há quem engane sem premeditação, que entra no jogo cheio de boas intenções mas o seu próprio coração (ou outro órgão!) prega-lhe uma rasteira…há de tudo, sempre houve e sempre haverá, temos mais medo de amar, temos menos vontade de tentar, reciclamos mais e descartamo-nos mais, há solução? Não sei, mas temos uma tendência notória para incriminarmos os outros pelos nossos próprios pecados, tem de ser cada um de nós a quebrar as barreiras do medo, em vez de culparmos um “eles”, um “outros”, a sociedade, esferas profundamente abstractas, comprometamo-nos numa espécie de contrato moral e elaboremos um novo modelo do amor com base no amor que desde sempre nos fora inculcado, com uns pozinhos de actualidade!

Que há-de ser de nós?

Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento.

Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós.

Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã.

Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: "endereço errado?"

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós.

Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos.

Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós.

Sérgio Godinho e Ivan Lins


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