Fumo

Posted by Hello


Estou sentada na mesa de um café, sem nome, perdido numa rua da cidade que me acolhe sem saber quem sou, mexo e remexo o líquido espesso dentro da chávena, não sei se pus açúcar ou não, levo o café à boca, espanto-me por estar quase frio e amargo. Espero por ti, como sempre esperei, mas desta vez sem ansiedade, a contemplar a previsibilidade dos teus actos, quase já sabia que ias chegar atrasado, quase já sei que desculpa vais dar…O empregado espreita-me entre a máquina registadora e um cliente encostado ao balcão, reparo no seu olhar e sem me aperceber fixo-o, sorri-me e pergunta-me se quero a conta, aceno que não com cabeça. Tiro um guardanapo e esboço a caneta preta as minhas esperas, rabisco palavras soltas, sem associações, o pensamento perde-se entre espirais, círculos e quadrados, vais dizer que apanhaste muito trânsito ou que estavas cheio de trabalho e nem deste pelas horas. Tento concentrar-me no perfil das tuas mãos mas os seus contornos tornam-se difusos entre as espirais da memória, faço mais um esforço e apenas relembro o toque, a doce textura do teu afago, mas o traço ausenta-se. Recordo o toque da tua mão a levar o cigarro à boca, a deixá-lo queimar lentamente entre os teus lábios, de inspirares e de expirares o fumo que desfoca a lembrança de ti.
Chegas, com o cabelo molhado porque, reparo agora, chove lá fora, Estava muito trânsito, por isso é que cheguei atrasado, deve ser por causa da chuva, desculpa, não estás chateada, pois não? Aceno-lhe que não e sorrio, exactamente como fiz com o empregado, fixo as suas mãos, lembro-me agora tão bem do seu traço, dos seus longos dedos a afagarem-me o cabelo, a acarinharem-me o rosto, a tactearem-me os lábios. Ele fala com um entusiasmo quase contagiante de um qualquer projecto em que está envolvido, sinto-o pela entoação que dá à voz, mas não consigo prestar atenção ao que diz. Sinto a sua falta, dele, de ti. Morde suavemente o lábio inferior, e nesse mesmo instante tira um cigarro do maço que colocou em cima da mesa, vai gesticulando com ele entre os dedos, sem estar aceso, acaba a frase e coloca-o geometricamente entre os lábios que outrora saborearam a minha boca, é assim que ainda há pouco te recordei. Não sabes precisar o momento em que deixaste de gostar de mim, pedi-te, na nossa última troca de olhares, de palavras, que me dissesses quando deixaste de me gostar, disseste que não sabias, que não era algo matemático, que te tinhas desencantado, mas que se calhar o problema era teu. Este pensamento quebra-se quando oiço a tua gargalhada, ris de não sei bem o quê, Então e tu, como estás? Entre o fumo que expeles da boca e o café que te queima os lábios, as nossas recordações desfocam-se e é naquele momento preciso, naquela fatia retirada ao tempo, que sei que já não gosto de ti, de nós.

Tu não sonhas, por isso já não és



O teu pestanejar afasta o espanto,
deixas-te embeber pelo silêncio
e encerras num esgar o teu olhar de criança.

Um ser que se fragmenta
em cada dia que expira.

Uma sede
que mata.

(Tu não sonhas, por isso já não és)

A tua voz esgota-se num só grito,
é saliva que se destila na boca
e que seca as palavras.

Uma alma que se deixa embutir
na carne do corpo.

Um doce
que amarga.

(Tu não sonhas, por isso já não és)

O teu encolher de ombros,
é vazio que se entranha no corpo
e que traça os limites do sonho.

Uma mão que se esvazia
num só toque.

Um sonho
que adormece.

(Tu não sonhas, por isso já não és)

A noite já não é noite e o dia já não é dia



...o dia adormece com o crepúsculo
e os meus olhos continuam cegos,
ouço o suave chapinhar dos peixes,
acreditando que o amanhã é impossível.

Dois olhares intensos perseguem-se,
duas almas apaixonadas completam-se,
o eu e o tu fundem-se numa profunda amálgama de sensações únicas.

Evito dizer que te amo,
com um medo sufocante que se torne banal.
Evito sentir que te amo,
amedrontada com a tua inevitável fuga.

As minhas palavras insensatas
são poldros que galopam pelo teu campo,
os meus gestos contidos
são pequenas crianças assustadas no escuro.

Corro na ânsia de estar perto de ti,
mas quando te encontro continuas longe.

Não me peças para te esquecer,
quando tu já fazes parte do meu corpo,
não me exijas que desista de nós,
quando a única realidade é só eu e tu,
não me obrigues a fugir
porque em lugar algum me sinto bem.

O teu olhar esconde-se por detrás de um delicado esgar de tristeza,
serei eu a tua mais triste esperança...
O que serei eu para ti?
O que serei eu sem ti?
O que seremos nós sem nós...

Susana
Muge 5/12/99

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Dizem que leva um minuto para encontrar uma pessoa especial, uma hora para apreciá-la, um dia para amá-la, mas uma vida inteira para esquecê-la.

Nós vamos sempre em frente

Fala-me desses dias, passados entre gritos e gargalhadas, entre um jogo de bola que os rapazes nunca nos deixavam participar e os guelas a carregarem-nos os bolsos, saltávamos ao elástico, jogávamos às escondidas, ríamos até os músculos da barriga nos doerem, explorávamos todos os cantos escondidos de um mundo por descobrir, andávamos perdidas de bicicleta por ruas e ruelas de um bairro que nos acolhia. Os nossos medos de então era engolir pastilhas, não conseguir os cromos da colecção do momento e, para acentuar os nossos receios, era-nos constantemente lembrado que não podíamos falar, nem aceitar nada de estranhos. Lembro-me de quando íamos de mão dada pela rua, com o andar compassado e um rumo a direito, dizíamos entre dentes, para quem nos quisesse ouvir, nós vamos sempre em frente, nós vamos sempre em frente...até ao dia em que esbarrámos com duas senhoras de bom posto, que nos lançaram uma mão pesada ao rosto de cada uma de nós, mas até disso nos rimos! Lembras-te quando fazíamos chamadas anónimas (sim, porque os teus pais trabalhavam na PT e as chamadas eram gratuitas) e aproveitávamos para rirmos um pouco mais, nunca podias contar comigo para essas partidas, ficava sempre demasiado nervosa e logo que a pessoa do outro lado da linha atendia, já estava aos risinhos, arruinando desde logo a nossa combinação minuciosamente engendrada. Quando chovia é que os nossos planos ficavam mais limitados, mas lá íamos nós fazer receitas de farinha, água e açúcar para uma televisão inventada, com câmaras invisíveis e um público entusiasta, ao qual agradecíamos as palmas inaudíveis. No Verão, geralmente, ia contigo e com os teus pais para o parque de campismo da Costa da Caparica, no qual vocês tinham uma roulotte, lembro-me tão intensamente dos fins de tarde, banhados pelo pôr-do-sol, com a luz a pratear o mar vasto que se perdia no horizonte.
A vida encarregou-se de seguirmos sempre em frente, agora os nossos medos são outros, as gargalhadas menos constantes e os horizontes com limites mais definidos, somos aquilo que nunca sonhámos ser, adultos. Os teus pais entretanto divorciaram-se, desfizeram-se da roulotte do parque de campismo e tu saíste do bairro, casaste, tens uma filha, que sei que vais ensinar a rir como nós ríamos porque ambas sabemos que quem se ria como nós nos ríamos, nunca deixa de ser criança.

Fala-me de amor no superlativo

Abraça-me num sorriso terno, quero-te terno num só toque, não, em todos os toques, quero ser o resquício de um beijo lento, encerrar os teus sentidos na palma da minha mão.
Sussurra-me ao ouvido aquilo que quero ouvir, fala-me de amor, de paixão, nada de banalidades, o amor não tem tempo para ser banal.
Deixa-nos estar assim, perto um do outro, a trautear a mesma canção, a inalar os mesmos sonhos, a ser aquilo que melhor sabemos ser.
Fala-me de amor no superlativo, torna-nos adjectivos, códigos linguísticos indecifráveis a quem está fora do nosso círculo perfeito, enobrece-nos em cada palavra que ofereces ao nosso amor.
Para um amor enorme como o nosso, que ocupa tão pouco espaço, apenas o espaço de dois corações a baterem compassados, não há lei das incompatibilidades.
Um presente que insiste em não se tornar passado, um amor que insiste em não abrandar a voz que anoitece, sabemos que somos felizes assim, perto um do outro, num estranho amor que se entranhou.
A vida contigo é fácil, todas a cores primárias se descobrem numa só paleta, nos teus olhos, abre esta carta que trago para ti, selada a lacre com um beijo, falo-te de amor no superlativo, despojo-me dos pequenos nadas, porque o amor não tem tempo para ser banal.


のぞくトム

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