Decisão com D grande

Já não me lembro há quanto tempo foi, que tomei a decisão de ir viver sozinha, não sei se foi meses antes de comprar a casa, se na véspera, se alguns meses depois, em que chegava a uma casa vazia de móveis e de gente e me questionava se alguma vez teria a ousadia de fazer daquela a minha casa. O tempo acabou por me dar coragem e tomar a Decisão com D grande, há quem ache que não seja necessária coragem para se ir viver sozinho que, pelo contrário, é uma decisão desejada. E seria, se tivesse 18 anos e tivesse que lutar pela minha liberdade, ou se tivesse uma relação azeda com os meus pais ou se o ambiente familiar não fosse acolhedor, mas quando a liberdade é minha e total, quando a relação é saudável e o ambiente acolhedor, a decisão de ir viver sozinha, quando aparentemente todos à minha volta estão a viver com alguém (por convicção ou por necessidade), não é fácil. Pelo menos para mim, até porque eu sou a minha própria bitola, nunca achei que tivesse coragem para tal, sempre achei que sairia de casa para casar, mas a normalidade assenta-me tão mal, por mais que a ambicione. Dei por mim a actuar numa peça cujo guião não era aquele que me tinha sido dado para interpretar e foi nesse diálogo desconjuntado, nessa legendagem que não acompanha a mímica da boca, nessa sintonia intoxicada, que resolvi alterar o cenário e decidi ir viver sozinha.
E há dias em que me sinto mais sozinha, não só, mas sozinha por falta de companhia, noutros em tenho uma convicção quase inabalável de que esta foi a decisão mais consentânea com a esta fase da vida. Há dias em que me apetece regressar ao ninho, sentir aquele afecto fácil, mas há outros em que me apercebo que a minha casa já passou a ser o meu domicílio e que me cabe só a mim torná-la no meu ninho. Há dias melhores que outros, mas orgulho-me da minha decisão, porque esta nunca seria uma decisão fácil no meu contexto, no contexto de outras pessoas sê-lo -ia certamente, mas no meu e quem me conhece realmente, sabe que este passo nunca seria óbvio.
E dou por mim a pôr um cd de música brasileira no volume que me apetece, a tomar banho de imersão à meia noite, a ser dona e senhora do comando da TV, a jantar a horas de cear, a acender velas e incenso pela casa toda. E dou por mim a travar todos os dias pequenas batalhas por esta minha Decisão, mesmo quando os joelhos vacilam, mesmo quando sou a minha única companhia, mesmo quando a voz é singular entre quatro paredes, vou resistindo, até porque sei que esta não foi a melhor decisão mas sim a única!

Entrega ao domícilio

Entregas-me a tua mão, cada linha da sua palma conduz-me até ti, alcanço o teu ombro e aninho-me no teu aconchego, sei que é só no teu abraço que posso ser feliz. Não consigo deixar de pronunciar meu amor sem converter os meus lábios num sorriso arco-íris, quem me olha sabe-me a flutuar. Este sentir fogo-de-artifício devolveu-me ao ninho, entregou-me ao meu domicílio, é quase como se tivesse nascido novamente e és tu o meu útero, o meu domicílio, o meu ninho, restituíste-me a crença neste sentir que me pensava vedado, selado, envolto em arame farpado.
É que desta vez estás mesmo aqui, não és fantasia, és apenas tu e de uma simplicidade demolidora, sem capas ou escudos, sem cartazes de néon ou parangonas nos jornais, apenas tu, entranhando-se em mim lentamente. Ensinas-me todos os dias a sermos um do outro, a velocidade moderada, sem pressas, e vamos saboreando a dois cada momento que sabemos de um tempo sem fim.
Caminhamos de mãos dadas, pelas ruas, à beira rio, ao sabor da maresia, ao fim da tarde, os meus pés sambam e o meu coração balança. Parece-me que tudo à minha volta é tela branca, pronta para ser injectada com todas as cores da paleta, tudo se tatua na flor da minha pele como se da primeira vez se tratasse. O céu nunca fora tão azul, nem a calçada tão geométrica, nem a maresia tão salgada ou a areia tão fina, renasço a cada passo que damos, de mãos dadas.
Puxas o meu corpo miúdo contra o teu e sussurras em silêncio que iremos ser sempre um do outro. Agora sei que não há distância que nos separe por mais longe que estejamos um do outro, que não é preciso dizer que se gosta com as palavras porque são os gestos mudos que o dizem. Com o teu jeito simples, ensinaste-me a amar, secaste as lágrimas e deste sol ao rosto, agora sambo a toda a hora, sorrio sem razão aparente, dou por mim a rabiscar o teu nome no papel, apetece-me gritar bem alto que te amo, amo, amo, que apenas sou porque existes, que me devolveste a mim própria mas sobretudo que és o melhor de mim e digo-o, neste gesto mudo, aquilo que já sabes!


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