Como se a nossa pele fosse um íman

Espreguiças-te à janela, o teu corpo desdobra-se num longo bocejo, a noite ainda colada à pele é sacudida vigorosamente, o sol irrompe e desenha a tua silhueta através de minúsculas partículas que se agitam no ar. Viras o teu rosto e olhas-me prolongadamente, os teus lábios rasgam-se num sorriso igual ao meu. Enquanto o teu olhar acaricia cada pormenor que encontras em mim, dizes em silêncio algo que não ousas pronunciar no décibel mais baixo da tua voz, caminhas até mim e aninhas-te no meu abraço. Aconchegas o meu cabelo, loiro cor de açucena, por detrás da orelha, os teus dedos deslizam até à minha nuca e massajas a saliência do meu pescoço, o meu corpo estremece, rimos os dois. Levantas-te num ápice, fazes com que o lençol esvoace por cima das nossas cabeças, dás uma gargalhada intensa, agarro-te as pernas e cais por cima de mim, faço-te cócegas e continuamos os dois a rir. E, num momento roubado ao tempo, paramos, fixamos o olhar e abraçamo-nos fortemente, como se a nossa pele fosse um íman, e dizemo-lo na nossa mudez que seremos eternamente um do outro.

Hoje já não estamos juntos mas momentos como este ficarão eternamente na memória da minha saudade.

Inconfundivelmente Domingo

Nunca trabalhara e desde que o marido falecera ocupava o seu tempo a passear-se pelas mesmas ruas, pelas mesmas conversas, a caminho do nada. Agora o tempo era só seu e não sabia como descontar-lhe as horas e os minutos, os dias pareciam-lhe todos iguais, excepto os Domingos, esses eram inconfundivelmente Domingos. De 2ª feira a Sábado entretinha-se a conversar com a empregada do café da esquina, com a padeira que já não fazia pão, com o senhor da mercearia, a quem também tinha falecido a esposa, mas há já algum tempo, há cerca de dois ou talvez três anos, não sabia precisar bem, por fim regressava a uma casa vazia, despida do seu marido. Falecerá há 7 meses e 4 dias, sabia precisar tão bem, o tempo começara a ser facturado a partir do dia em que o seu marido dera o último sopro de vida.
Os seus filhos pouco a visitavam, andavam sempre muito ocupados, absorvidos com as suas carreiras, tinham optado por não ter filhos, tanto um como outro, convenciam-se tentando convencer os outros com frases feitas como “não tinham condições para os criar filhos” ou “que o mundo de hoje não era o lugar ideal para educar uma criança”. Tricotava longos cachecóis para os netos que nunca iria ter, guardava as molduras que lhe ofereciam no natal e sentia os braços sós e desgastados. Os dias da semana eram ocupados com a desocupação das rotinas, das pequenas rotinas que a ajudavam a passar o tempo, mas os Domingos custavam a passar, apenas se lembra, nestes 7 meses e 4 dias, de ter passado dois Domingos com os filhos. A televisão, que tinha que pôr no volume mais elevado, entretinha-a relativamente, soava-lhe a silêncio, como a silêncio lhe soava a rua de todos os dias nos Domingos.
Neste Domingo, 28 Domingos passados, fazia um napron de renda bege com quadrados de linho, também bejes, que certamente seriam guardados na mesma gaveta onde depositava as memórias. A televisão ecoava de forma estridente pela casa, as imagens pareciam-lhe invisuais, como invisuais lhe pareciam os seus dias, o telefone tocou uma, duas, várias vezes, quando este estava prestes a desistir, ela pega no auscultador e ouve do outro lado: “Mãe, eu e a Ana temos uma novidade para si, podemos ir buscá-la para almoçar connosco?”

Eternamente

E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.

Miguel Sousa Tavares

Elemento Essencial

Retiro ao elemento tempo a sua exactidão,
congelo o momento num vão de escadas.
E silencio o rosto mergulhado entre os joelhos,
humedecido por sal e saudade.

Traço a compasso a circunferência,
cujos limites se fecham numa memória, a nossa.
O que dizer quando tudo já foi dito…
O que fazer quando tudo já foi feito…
O que esquecer quando tudo já foi perdoado…

E aguardo por ti,
por quem ainda não conheço,
por quem não sabe quem sou.

E vejo o movimento lento dos corpos, dos nossos,
a caminharem, lado a lado, lentamente,
como se quer o amor.

E quase que te reconheço,
em cada esquina de todos os prédios,
em cada rua de todas as cidades,
em cada beijo de todos os amantes,
só tu não me podes desiludir!


のぞくトム

(Voyeurs)

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