O meu arco-íris

Desenhei um arco-íris no céu, com todas as suas cores a estoirarem, deitei-me de barriga para cima, na relva do jardim de fronte à minha casa e deixei-me ficar assim, deitada no fresco, a sentir o odor a terra húmida e a relva cortada. Há muito que não me sentia tão tranquila, o nó na garganta soltou-se e a solidão deixou de ser uma afronta, tornou-se um recanto necessário e incontornável, aprendi a aceitar que não temos de estar rodeados de gente para nos sentirmos acompanhados. E sinto-me cheia de muito mesmo sem estar rodeada, contento-me com uma multidão anónima, como esta que me olha atónita, de rostos enfiados em guarda-chuvas pretos e corpos pendurados em gabardinas cinzentas, sorrio perante o seu ar de espanto, não percebem o que faço por debaixo daquele arco-íris desenhado por mim a lápis de cor, deitada de costas na relva do jardim de fronte à minha casa, talvez porque apenas vêem a chuva enquanto eu apenas vejo o meu arco-íris.

Cardápio da pele

Uma vida.
Um sonho.
Um não querer largar
para não perder…

Uma carícia,
que se substitui a um abraço.
Um sorriso desbotado,
que se substitui a um afago.

Um deus,
pequeno,
que nos ignora.
Um beijo,
sem boca,
que se crava nos lábios.

Uma palavra.
Um gesto.
Um não querer perder
para se ter...

Um abraço,
desprendido,
fingido,
que se despedaça por dentro.

Um nó,
esdrúxulo,
cravado na voz,
que estilhaça a palavra.

Um desejo,
despojado de dor,
que não sangra,
não geme,
não chora,
que é vazado pela ausência.

O sonho,
afónico,
mudo,
que grita, suplica e que é silenciado!
O mesmo sonho de sempre,
doente,
enfraquecido,
a arrefecer,
que tropeça, cambaleia e cai
mas que não se larga, que não se perde,
e que se levanta sempre, sempre!

Saudades...

No dia seguinte, logo de manhã. o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
- Bom-dia, bom-dia, bom-dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
- Bom-dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
- Trago-te aqui uma flor da terra - disse; chama-se uma rosa.
- É linda, é linda - disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
- Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.
Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
- Ai! - suspirou a Menina do Mar olhando para a Terra. Por que é que me mostraste a rosa?
Agora estou com vontade de chorar.

O rapaz atirou fora a rosa e disse:
- Esquece-te da rosa e vamos brincar.

in
A Menina do Mar
de Sophia de Mello Breyner Andresen


Dedico este enxerto a um polvo, a um navio fantasma e a um malmequer, saudades...


のぞくトム

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