Liberdade em crise

Estou cansada de me queixar e de ouvir queixumes alheios sobre a economia nacional e doméstica, o desemprego e o emprego precário, as contas e mais contas que são como corda atada ao pescoço, parece-me que tudo está em crise, mesmo a expectativa de melhorias revela-se eminentemente escassa. Estaremos todos endividados, moral e financeiramente? Neste momento, viver Portugal e viver em Portugal parece-me um conceito distante de oásis, apesar do céu azul, do aconchego do mar, da temperatura amena e da excelente gastronomia, que duvido que sejam um contributo para o retorno da crise económica, tudo o resto parece-me duvidosamente acolhedor.
Emigrar será a solução? A mim não me apetece, pelas mais variadíssimas razões, gostaria antes de achar que o futuro da minha geração encontra-se neste país, que não somos apenas uma mão-de-obra eficaz e competente lá fora, mas que somos úteis e produtivos no nosso próprio país, embora este não pareça possuir as infra-estruturas necessárias para nos reter e para absorver uma geração que supostamente é o futuro da nação!!!
Não sou economista, nem tão pouco tenho apetência para tal, mas na gestão da minha economia percebo que vivo acima das minhas possibilidades, que o meu ordenado é insuficiente para os meus gastos, que se não tivesse um suporte familiar, dificilmente conseguiria comportar a mensalidade da casa ao banco e todas as outras mensalidades implícitas, quer dizer, até conseguiria, se me alimentasse a massa e água, se nunca saísse de casa (só e apenas para trabalhar), se não comprasse nada acessório, se tivesse um segundo emprego…os estóicos que o façam, porque viver para pagar uma casa não me parece nada heróico, confesso que este estilo de vida medíocre não se me adequa, iria sempre optar (porque mesmo assim tenho essa opção) em permanecer em casa dos pais!!!
Não sei como determinadas famílias sobrevivem, é que não há ginástica, nem flexibilidade possíveis para manter uma casa e filhos com o ordenado que cada um dos membros do casal aufere, como é que conseguem para mim é um mistério (e aposto que esses são os mais aliciados pelos bancos com Visas gold de plafonds intangíveis).
Mas lá vamos vivendo o dia de todos os dias, a apertar o cinto mas com o nosso melhor sorriso, adornados de acessórios supérfluos que dissimulam as dívidas que nos roubam a liberdade individual e que definham os sonhos a meras preocupações materiais.

Taco-a-taco

Sais fora do meu controlo, deslizas por entre as minhas garras como gelo que resvala pelo carril do meu peito, reservo-nos uma certa distância, aquela distância, porque as minhas mãos foram feitas para prender e não para largar.
Contenho-me em te abraçar, em beijar esses lábios que nunca provei, mas comprimo-me, deixo-me ficar assim, a contemplar-te, a devorar timidamente cada traço do teu rosto, a saborear cada paladar do teu corpo, e imagino que as tuas axilas cheiram a maresia e o teu hálito a caramelo, que acordas a sorrir, que me abraças sem razão, que me dás a metade do meu beijo.
Prefiro manter-te assim, inacessível, apenas apetecível à minha imaginação, porque as minhas mãos foram feitas para agarrar e não para soltar. Gosto da forma como me olhas, sabes que te quero queimando por dentro e por fora, mas tu não ateias, nem apagas, e deixas-me estar neste banho-maria de incêndio sem combustão, de desejo sem sudação.
E o teu olhar transforma-se em língua que me lambe a pele, em saliva que me humedece a nuca, enquanto me olhas mastigas os dentes, contrais o maxilar, torno-me presa e tu predador, sou sangue e carne prestes a ser dilacerada, sou desejo na iminência de ser devorado, mas afastas-me, recolhes-te nos teus braços e devolves-te as tuas mãos, porque estas apenas foram feitas para soltar e não para agarrar...

Cenário de pó

Sou o meu melhor disfarce
num cenário de pó
sem actores ou enredo.

Sou o que se esconde em mim,
sorriso puxado a fios de nylon,
mãos cheias de pequenos nadas,
olhar que se pinta a giz
no basalto da tua íris.

E neste minuto que me resta de ti,
sou vénia atrás do pano que cai,
marioneta num querer sem querer,
afasto-te, empurro-te, viro costas.

Neste último minuto,
neste segundo sem retorno,
sou cobardia que se chora,
digo que não te quero, quando te quero,
digo que não te amo, quando muito te amo…

E neste minuto que nos resta de nós,
desfazemo-nos numa vénia,
num cenário que sempre fora de pó…


のぞくトム

(Voyeurs)

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