I- É assim que me lembro de nós

Lembro-me de ti assim, com um sorriso terno tingindo a tua pele morena, aproveitando todas as oportunidades para mostrares ao mundo esses lábios amêndoados, rasgando-se como janelas que se abrem na maresia do entardecer. Lembro-me de nós assim, com as mãos a fecharem-se uma sobre a outra e a sorrir de olhos nos olhos, a vida era tão simples nessa altura, sim, tenho saudades desses dias de calmaria, que passavam entre gargalhadas infindáveis e céus sempre azuis, mesmo em dias de chuva, sim, é assim que me lembro de nós.

Mãe com M grande

Recordo todas as boas memórias que me doaste, de uma infância traçada a aguarela, entre um sorriso primaveril e um Outono de folhas douradas na palma das mãos. Agradeço as sementes que foste delicadamente depositando na minha memória, lembranças que me ofereceste, gratuitamente, lançadas ao sabor do vento, alojando-se em mim e transformando-me naquilo que sou.
Inadvertidamente, ocorre-me à memória dos meus afectos, o casaco de malha azul eléctrico, com um fecho também azul eléctrico, que me fizeste quando eu andava na primária, que sempre que podia exibia aos olhares mais cobiçosos, do colete, também de malha (porque nessa altura existia muito o conceito de “faça você mesmo”) verde água com um cubo mágico. Lembro-me dos pequenos almoços ingleses que preparavas para mim e para o meu irmão, com ovo quente e bacon, lembro-me do universo do Feiticeiro de Oz que me convidaste a partilhar contigo, lembro-me também do meu primeiro dia de escola, em que de mão dada demos os primeiros passos por caminhos separados.
Cada pegada que marca o meu trilho, é dada solitariamente, contando com o amparo confortável da tua presença quase imperceptível, sabes que hei-de errar e muito, mas também sabes que hei-de aprender com os meus erros. Surpreendes-me quando te deténs a ouvir-me, aprecias em mim uma sensatez que não me reconheço, delicio-me quando falas da tua infância, dessa memória que se desdobra na emoção da tua voz quando falas dos dias passados no Rio Ponsul, das tuas gargalhadas com o teu primo, das viagens na camioneta do tio…
Observo-te enquanto folheias a revista de trás para a frente, reparo que em quase nada somos parecidas, nem nos traços que compõem os nossos rostos, mas sabemos que podemos contar com o espaço que damos uma à outra para sermos diferentes, completando-nos na nossa desigualdade. Nunca me sufocaste com a tua amizade, entraste sempre de mansinho no meu recato, nunca tentaste arrancar voz ao meu silêncio, sempre me trataste com respeito, fizeste e fazes-me sentir especial mesmo quando sabes que é iminente o abandono do teu regaço.
Peço desde já desculpa por te estar a tratar por tu, não que o outro tratamento tenha alguma vez sido impedimento para sermos próximas, mas porque este desabafo assim o exige. Peço também desculpa pelas vezes que te magoei, que fui mais dura contigo, peço desculpa pelas vezes que te fiz chorar, que te fiz duvidar da boa mãe que és, porque foste, és e sempre serás uma mãe estupenda. Espero nunca decepcionar-te mas não te posso prometer isso, provavelmente irei decepcionar-te umas quantas vezes mais, mas será sinal que ainda tens expectativas em relação à minha pessoa, só te peço, mãe, nunca deixes de acreditar em mim, porque a partir do momento em que o fizeres, também eu deixarei de acreditar.
E por todas essas razões, sei que em cada passo que dou, estás a meu lado, és parte integrante do meu corpo, és cordão umbilical que está prestes a ser rasgado, mas ambas sabemos que estaremos eternamente ligadas uma à outra, nesta mesma diferença que nos aproxima, porque os nossos corações bateram compassados, porque eu fui o teu útero e porque havemos sempre de sorrir com a mesma expressão no olhar.


のぞくトム

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