De perto, bem perto!

Entre o trilho apagado dos pés,
e a ponta dos dedos que rasga a pele,
sinto-te por perto,
a agarrar-me a mão…

Entre o fumo atento do cigarro,
e o olhar deslaçado pelo silêncio,
sei-te aqui,
a meu lado,
bem de perto…

Entre o esquecer de um sentimento,
e o ampliar das asas contra o céu,
estás tu,
perto,
sem querer largar…

Se ficares a meu lado,
se não me largares,
se segurares a minha mão contra a tua,
eu vou ficar…
de perto,
bem perto!

Na cor-de-céu dos seus olhos

O que sente por ele não é aritmético, é esdrúxulo, não é poema, nem prosa, simplesmente não se escreve porque não se consegue descrever, ela apenas sabe que sente e que o sente encontra-se debaixo da pele, numa quase histeria dos sentidos. Ele fá-la fugir à normalidade, sente-se única entre a multidão, sente-se por demais linda num desfile de olhares, ele é as asas e as guelras que lhe faltam para se evadir, é o porto de abrigo para os dias de chuva ácida.
A cor-de-céu dos seus olhos diz-lhe o quanto ele a quer, um pouco mais que tudo, e essa transparência do seu sentir é suficiente (porque tudo é uma questão de suficiência) para ela lhe doar o seu coração cor-de-framboesa.

Maria e Paulo

Vasculha nos classificados dos jornais uma casa para alugar, não pode ser mais de 400€ mas faz questão que seja umas águas furtadas com vista para o Tejo, para aquele rio que lhe dará energia para os dias de Inverno, em que se vai levantar ainda de noite para ir trabalhar. Não se importa que seja uma casa velha, ou melhor, terá mesmo de se conformar com essa ideia, prefere antes pensar que é uma casa com alma, com histórias de vidas que estiveram ali de passagem, embutidas em cada canto, em cada esquina, em cada parede mestra. Já há meses que procura e não encontra nada que lhe agrade...
Faz precisamente hoje um ano que saiu da sua casa, uma casa de alma tolhida, com duas vidas cansadas de tanto se zangarem. Os últimos tempos fizeram esquecer os primeiros, que estiveram a um minuto da perfeição, a um segundo de uma simbiose absoluta e soberana. Adorava chegar a casa, depois do trabalho e aninhar-se no colo do P. (ainda lhe custa pronunciar o seu nome…), uma vezes ficavam em silêncio, outras contavam todos pormenores que lhes tinha acontecido durante o dia. À noite, o P. pedia-lhe para lhe contar uma história, das suas e adormecia ao som dos seus universos paralelos, via os seus olhos, cor de amendoim, a encerrarem-se lentamente, ao ritmo da sua fantasia.
Um dia, pensou ela, vou ser tão feliz numa casa com vista para o rio como fui naquela casa!
Sobrevive-lhe a imagem de uma casa cheia de vida e de alegria, atestada deles, agora submersa em ecos de um passado que lhe comprime o peito. Dá muitas vezes por si a ouvir o riso da M. (cujo nome ainda lhe custa pronunciar…) a estilhaçar-se pela casa, emoldurado como quadro na parede, como pêra embebida em calda. Não se quer lembrar das discussões, do azedo das vozes, das lágrimas gritadas, dos gestos amordaçados, prefere guardar em si a sensação de que poderiam ter sido felizes para sempre naquela casa. Os seus olhos despediam-se naquele momento dos melhores anos da sua vida, a casa despira-se de móveis, desnudara-se de gente, privara-se da felicidade a dois, via agora tudo isso a ficar para trás. Fora ficando até ao dia em que lhe foi impossível negar as memórias, quando se apercebeu que se tinham tornado parte da mobília, quis enterrá-las mas as saudades fizeram-nas submergir e ficaram a flutuar como neblina em mar de verão quente.
Anda a procura de outras paredes para lhes entranhar novas memórias, quer sentir que a vida continua, por isso vai passando os olhos pelos jornais, para ver se encontra uma casa para alugar, tem preferência por uma com vista para o rio. Quer olhar para as suas águas doces e sentir aquele porte nobre a adoçar-lhe a alma e a encher aquele vazio proibido, de saudade que deixa nódoa de ferrugem na alma.
Um dia, pensou ele, vou ser tão feliz numa casa com vista para o rio como fui naquela casa!


のぞくトム

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