Não somos até o sermos…

Não somos até o sermos
Esta frase não me sai da cabeça, disseco-a, transponho-a para mim, tento percebê-la dentro do que sou e concluo que esta frase me diz muito, cliché diriam alguns, mas afinal o que são clichés se não experiências de vida repetidas exaustivamente até serem imortalizadas num pregão!
Sinto-me como material altamente poroso e mesmo que quisesse interromper o ensinamento que a vida está permanentemente a ceder, ser-me-ia impossível fazê-lo, porque faz parte do nosso composto orgânico absorvermos vorazmente aquilo que experienciamos, que vivenciamos. E como seres orgânicos, estamos expostos à mutação, à transformação, o que somos hoje em dia, o que temos hoje em dia, será inevitavelmente submetido a esta poderosa indústria de transformação que é a vida. Desconstruímo-nos para voltarmos a construirmo-nos!
Não posso deixar de pensar no self como um “mutante”, seria crime considerarmo-nos produto acabado, seria demasiado enfadonho se assim fosse, crescemos ou até minguamos, mas a constância não é uma faculdade que caracterize a nossa existência. Claro que existem traços que nos acompanharão sempre, os tais traços caracteriais, mas existem uma série de outras características que se vão estruturando de acordo com as nossas experiências de vida. Por isso é que me faz tanto sentido pensar que não somos até o sermos, quantas vezes já demos por nós a dizer que não faríamos algo se tivéssemos naquela situação e passado algum tempo, ao depararmo-nos com uma situação similar, reagimos de forma totalmente oposta àquela que veiculámos.
Não há fórmula mágica para agirmos, é sempre uma incógnita a causa-efeito de determinado comportamento, nunca sabemos a reacção que vai causar uma determinada acção. E porque acima de tudo somos todos diferentes um dos outros e vamos tornando-nos diferentes do que éramos inicialmente, é importante repensarmo-nos, não nos condicionarmos, porque podemos ser uma bomba relógio quando nos libertarmos do nosso cárcere, da nossa aparente imutabilidade.
No entanto, considero que é a acção que nos define, as palavras são composições líricas que dizem muito pouco sobre aquilo que somos ou sentimos, muitas vezes são armaduras blindadas à prova de bala e de fogo. O poeta é um fingidor, dizia Pessoa, e as palavras são a nossa poesia perante o mundo, mas estas não deixam de ter peso pesado, muitas vezes utilizamo-las levianamente, e porque estas representam-nos e dão indícios do que sentimos ou pensamos, podem conter a perigosidade de serem falsas pistas. Por isso aconselha-se o uso moderado de palavras ou de afirmações muito peremptórias e um uso cuidado de determinadas acções, porque nunca se sabe!
Desta água não beberei ou nunca, são armadilhas recorrentes, às quais recorremos por uma questão de conforto, queremos assegurarmo-nos que seremos aquilo que sempre fomos. Mas a vida tem-me ensinado que podemos eventualmente ser aquilo que nunca pensámos ser, fazer algo que sempre considerámos impensável fazermos, podemos trair quando nunca nos pensámos traidores, podemos abandonar quando nunca nos considerámos abandonantes mas por outro lado, podemos amar incondicionalmente quando sempre condicionámos a nossa forma de amar. Essa é a dialéctica da vida, e é por isso que acredito que, e remato como iniciei, não somos até o sermos!

Tensão

Silêncio que se escapa da voz,
sem ressonância,
sem encore.
Sangue que flúi amorfo,
sem ritmo, insípido.

Sei que não é de dia
pela ausência de luz,
pelo suor do basalto,
pelas costas voltadas
que me acenam adeus!

Nesta noite desfocada,
de contornos invisíveis,
nada tem nome,
tudo se sublima
num vazio estridente.

E perco-me no meu interior,
sou rufar húmido do tambor,
latido dorido do abandono,
barro liquefeito
que se molda sem forma.

Caminho nua,
no arame em tensão,
o corpo avança
mas os pés recuam…
E mesmo assim prefiro a queda
ao conforto oco,
à acomodação gélida,
às vozes dos outros
que amordaçam a minha.

Deixo o asfalto rasgar-me a pele,
queimar-me a roupa,
ensopar-me o corpo.
E cada lágrima entornada,
cada queda consentida,
é passo que dou,
desalinhado,
descoordenado,
mas que não deixa de ser caminho…


のぞくトム

(Voyeurs)

Free Web Site Counter

時間が過ぎるように

(As time goes by)