Matrioska

Apetece-me chegar a casa, repousar o corpo cansado no sofá, mudar de canais compulsivamente sem me fixar em nenhum. Olho a parede verde lima da sala, inalo o cheiro da minha casa e deixo-me abraçar pelo conforto que sinto. Dirijo o meu corpo até ao quarto, dispo-me vagarosamente, como se o tempo permanecesse suspenso, sem ritmo, sem sincronia, existindo apenas o traço do meu perfil esbatido contra as paredes tingidas de branco, como uma encenação de sombras chinesas. Em seguida mergulho-me lentamente na banheira e deixo que o tempo se torne a minha imersão, o meu corpo torna-se num objecto tão leve como uma pena que cai do céu, de uma qualquer ave migratória que parte para um outro destino.
Aluguei um DVD, As Bonecas Russas, talvez por já ter visto a apresentação ou simplesmente pelo seu título, lembro-me de um outro filme onde também entrava este actor, De tanto bater o meu coração parou, ou qualquer coisa parecida (não tenho vontade de fazer uma pesquisa no google para saber com exactidão), assumo que fiquei desencantada com este filme, que me perdoem os intelectuais ou as suas aproximações, mas aborreceu-me. Gosto de me sentir parte integrante da película e esta excluiu-me, remeteu-me exclusivamente para o papel de observador não participante e observei um homem obstinado por sonho que lhe fora emprestado, o qual se tornara o seu único amparo, talvez para se regenerar ou apenas para dar vida a quem lhe morreu. Por vezes é assim, há quem nos morra, nos braços, nas rugas, no olhar, há quem definhe o nosso sorriso, quem armazene as nossas memórias, mas também há quem nos renove, quem nos esculpa um novo sorriso, quem dê expressão às rugas e talhe novas formas ao sonho.
Abro a janela de alumínio branco lacado que dá para a minha rua, que apenas desce, mas que qualquer um pode subi-la e vejo os passos lentos de quem ousou subir a rua, um corpo moreno, esguio, de quem não tem pressa para engolir o mundo num só trago, de quem anda ao compasso dos minutos, não os acelera, nem os abranda, apenas os acompanha, o rosto acena-me um sorriso que já me habituei ver, num olhar que já se moldou ao meu.
Sentamos os nossos corpos cansados no sofá, mudamos de canais até adormecermos num silêncio cómodo, o mundo para lá da janela de alumínio branco lacado rodopia na valsa do tempo, de minutos contados e agendados, de sorrisos adiados e de sonhos sem forma. Talvez tenha encontrado a minha última matrioska...

2 Responses to “Matrioska”

  1. # Blogger Catharina

    repousa, sonha, da tempo.
    e viaja por ai entao *  

  2. # Blogger Sandro

    A ultíma??
    Tu?!?!

    Naaaa....  

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