Sem remetente

Aconteceu-me hoje algo fantástico, enquanto caminhava pela rua ao compasso da minha distracção, quem me conhece sabe que facilmente me distraio porque tudo me encanta, o xadrez das pedras da calçada, o puzzle dos rostos ao virar de cada esquina, os sons e odores que desenham a cidade, e que fazem com que me perca em cada passo que dou. Não querendo correr o risco de me perder nas minhas palavras, continuo aqui a história. Corria uma suave brisa que amaciava o quente da tarde, nela esvoaçava lentamente um papel branco, não percebi o que era e nem sequer liguei muito, até ao momento em que, delicadamente, aterrou o seu voo a meus pés e pude constatar que era um envelope, sem remetente, cujo o destinatário era unicamente Para ti, sem morada ou código postal. Apanhei o envelope, olhei em volta para ver quem era o dono(a) da carta, mas apenas vi rostos cerrados na rotina dos dias de todos os dias. O envelope quase incendiou os meus dedos, estava colado, selado a saliva que outrora beijou o "para ti". Guardei na mala e quando cheguei a casa, sentei-me na minha poltrona e invadi um espaço que não era o meu mas sim de dois amantes, uma carta que não chegou a ser entregue, palavras que não chegaram a ser entranhadas e que agora partilho convosco e que até pode pertencer ou mesmo ser dirigida a um de vós.
Resolvi escrever esta carta para te dizer aquilo que sinto e sinto que simplesmente não te entranhei e que tu, simplesmente, estranhaste aquilo que sou, porque sou aquilo que nunca te pertenceu, apenas te foi concedido partilhar por momentos roubados ao tempo. A soma deste eu e tu acabou por dar resultado ímpar, talvez os céus nunca nos tenham consentido a eternidade, apenas momentos, que serão eternamente nossos, deixando em suspenso aquilo que podíamos ter sido e que nunca seremos.
Rodopiei ao sabor das tuas palavras doces, dancei de pés descalços nos teus castelos no ar, quis acreditar que te podia querer, que te podia ter até os olhos se esvaziarem, encantámo-nos por um nós que nunca chegou a crescer mais do que a palma da mão encerrada num punho fechado. É o amor que nos escolhe, não o contrário...e este amor não nos escolheu!
Lembro-me de te cantarolar uma melodia que brotou espontaneamente da minha voz, porque tudo em mim é genuíno, sou aquilo que te mostrei, sem disfarces ou máscaras, uso e abuso daquilo que sou: "Eu nasci assim Eu cresci assim E sou mesmo assim Vou ser sempre assim Gabriela Sempre Gabriela". Talvez te tenha intimidado por ter sido tão eu, talvez tu me tenhas intimidado por seres tão pouco aquilo que procuro, recolhemo-nos no silêncio dos nossos medos e perdemos algo que nunca nos pertenceu.
Preciso de um amor intenso, de quem se entregue a um sentir enorme, que se embrenhe no meu corpo e deixe os seus dedos entrelaçarem-se nos meus ao som da mesma canção. Preciso de alguém que me precise, que o que nos aproxime seja maior do que aquilo que nos afasta, para quem seja urgente o amor, um beijo, um toque…a eternidade.
Por momentos, preferi estranhar os sinais, tornar-me iletrada, preferi derramar tinta da china por cima dos caracteres e encurralar os sentidos, quis acreditar que o amor ainda é possível em mim, porque não quero nunca deixar de acreditar no amor. Não posso. Não devo.
E porque não gostei de ti o suficiente para te aceitar, e porque não gostei de ti o suficiente para ceder à distância, mas porque gostei de ti o suficiente para terem ficado apenas as boas recordações de momentos subtraídos ao tempo, entrego-te estas minhas palavras, que sempre foi a única coisa que te consegui dar de mim. Sabes, só no teu último adeus é que percebi que realmente não consegues lidar com as despedidas, evitaste os meus olhos, a minha voz, a minha despedida...este teu último adeus disse-me quem eras e que em nada somos iguais. Ofereço-te o adeus que não me concedeste e, porque provavelmente nunca mais nos iremos encontrar, despeço-me pela última vez de quem fora unicamente dono dos meus beijos, por momentos e nunca pela eternidade.
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Vanessa

4 Responses to “Sem remetente”

  1. # Anonymous Anónimo

    O dono dos nossos beijos nem sempre são aquilo k imaginamos/estamos à espera...
    A constatação da Vanessa, de que nem sempre nos aceitam ou aceitamos o outro, faz parte da busca k ALGUNS de nós vamos perseguindo : O AMOR!
    Bjs para ti Mika, para a Vanessa e para já agora, para todas as "Vanessas" da vida.
    Guix  

  2. # Anonymous Anónimo

    Tens uma maneira de pensar mt própria...o k não impede k sejas uma excelente pessoa. Dia 20 mostrou logo de manhã uma neblina fria, cinzenta. O Verão nasceu logo no dia seguinte, os pombos batem as asas com toda a força k teem e o sol continua a alegrar a nossa vida!! Sonhar e ser sonhador, diferenças, valores, etc. um dia hei de te encontrar, kd menos esperares.
    Beijo nessa boca DOCE  

  3. # Blogger Rubim

    e tudo isto é a vida, as "vanessas" que nos passam na vida, ou nós q passamos nas vidas delas ...

    gostei.

    bjs  

  4. # Blogger Sandro

    O problema das Vanessas dos nossos dias, e de sempre, é que se esquecem que o sonho vive-se de olhos fechados... e de olhos fechados é muito difícil dar um passo seguro em frente, seja em que direcção for.
    Até pode acontecer que 2 pessoas estejam sintonizadas no mesmo sonho, mas se permanecerem de olhos fechados, não há meio de se descobrirem uma à outra.  

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