Inconfundivelmente Domingo

Nunca trabalhara e desde que o marido falecera ocupava o seu tempo a passear-se pelas mesmas ruas, pelas mesmas conversas, a caminho do nada. Agora o tempo era só seu e não sabia como descontar-lhe as horas e os minutos, os dias pareciam-lhe todos iguais, excepto os Domingos, esses eram inconfundivelmente Domingos. De 2ª feira a Sábado entretinha-se a conversar com a empregada do café da esquina, com a padeira que já não fazia pão, com o senhor da mercearia, a quem também tinha falecido a esposa, mas há já algum tempo, há cerca de dois ou talvez três anos, não sabia precisar bem, por fim regressava a uma casa vazia, despida do seu marido. Falecerá há 7 meses e 4 dias, sabia precisar tão bem, o tempo começara a ser facturado a partir do dia em que o seu marido dera o último sopro de vida.
Os seus filhos pouco a visitavam, andavam sempre muito ocupados, absorvidos com as suas carreiras, tinham optado por não ter filhos, tanto um como outro, convenciam-se tentando convencer os outros com frases feitas como “não tinham condições para os criar filhos” ou “que o mundo de hoje não era o lugar ideal para educar uma criança”. Tricotava longos cachecóis para os netos que nunca iria ter, guardava as molduras que lhe ofereciam no natal e sentia os braços sós e desgastados. Os dias da semana eram ocupados com a desocupação das rotinas, das pequenas rotinas que a ajudavam a passar o tempo, mas os Domingos custavam a passar, apenas se lembra, nestes 7 meses e 4 dias, de ter passado dois Domingos com os filhos. A televisão, que tinha que pôr no volume mais elevado, entretinha-a relativamente, soava-lhe a silêncio, como a silêncio lhe soava a rua de todos os dias nos Domingos.
Neste Domingo, 28 Domingos passados, fazia um napron de renda bege com quadrados de linho, também bejes, que certamente seriam guardados na mesma gaveta onde depositava as memórias. A televisão ecoava de forma estridente pela casa, as imagens pareciam-lhe invisuais, como invisuais lhe pareciam os seus dias, o telefone tocou uma, duas, várias vezes, quando este estava prestes a desistir, ela pega no auscultador e ouve do outro lado: “Mãe, eu e a Ana temos uma novidade para si, podemos ir buscá-la para almoçar connosco?”

4 Responses to “Inconfundivelmente Domingo”

  1. # Blogger Rubim

    Nunca mais é domingo ...

    gostei, bjs  

  2. # Anonymous Anónimo

    muito bonito.
    realmente as pessoas hoje em dia são cada vez mais vazias.

    fairy_morgaine
    www.ogritodosilencio.weblog.com.pt  

  3. # Blogger Estrela do mar

    ...acompanhavas-nos nesta ilusão?...

    beijinho*.  

  4. # Blogger Rubim

    Mika, andas com preguiça ?? escreve mais ...

    bjo  

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