Amo-te beija-flor

Encontrei-te quando menos esperava, quando os braços pendiam ao longo do corpo, desalentados, quando o sorriso desbotara por falta de uso. Encontrei-te sem te procurar, vieste ao meu encontro no momento certo da minha vida, em que só podias seres tu, mais ninguém, porque só tu, por seres essa pessoa mágica, me poderia devolver o sorriso, desembargar o coração.

Achei que tinha esgotado os meus créditos no amor, porque sou uma pessoa de um amor só!!! Mas descobri que o tal ser superior (aquele que gere com mestria os fenómenos inexplicáveis!) tinha reservado algo especial para mim, esse algo que é um alguém, esse alguém que és tu, que eu adoro até à mais ínfima parte de ti…

Por te deslumbrares com as coisas simples da vida.
Pelo entusiasmo com que te empenhas nas tuas paixões.
Pela forma como vês o mundo (através da tua objectiva ou simplesmente através do teu pensamento).
Porque és uma pessoa linda, por dentro e por fora.
Por seres o meu essencial.
Por seres essa força da natureza.
Por seres exactamente aquilo com que eu sonhei.
Porque nos escolhemos para passarmos o resto da nossa vida lado a lado…

…e a nossa vida vai ser pouco para nos amarmos!

Dei-te a mão e deixe-me ir, no teu trilho, ao teu lado, mão na mão. A tua sensibilidade comove-me, vieste deitar abaixo uma série de muros que me desprotegiam mais do que protegiam, mas que eram muros altos, de betão armado. E tu, por ser a metade amputada de mim, graciosamente demoliste cada pedaço de muralha, voltaste a dar-me à luz, renasci do teu amor…

…e fizeste de mim, provavelmente, a pessoa mais feliz do mundo!

Não sei quantos degraus tive de subir para te alcançar, mas devem ter sido muitos, porque me sinto no topo da escada! E se existirem mais patamares e certamente que existem, porque somos seres eternamente inacabados, vão ser alcançados contigo a meu lado.

Sinto-nos numa sintonia única, num continuum onde não existem distâncias, apenas o mesmo fio condutor. Entre nós existe a tal rara compatibilidade, tal como a raridade de dadores compatíveis, que sempre a achei inexistente, que apenas vivia nos meus textos, nas minhas palavras! E vieste tu, pessoa mágica, dar vida às minhas palavras e, pela primeira vez, estas ressoam dentro de mim, em harmonia. Deste-me o amor que me faltava e a paz que eu precisava! Talvez por isso me faça sentido interromper por aqui o Mikado, que apenas era o porta-voz de um desamor que já não existe em mim.

Deixo-te aqui a minha carta de amor, a minha declaração de amor eterno...

Amo-te cada vez mais beija-flor,
Amo-te como nunca amei ninguém!

Essencial

Que tendência esta de esquecermos o essencial e de abraçamos o supérfluo! Talvez nem seja uma escolha consciente, é antes uma incapacidade amorfa de não conseguirmos enunciar o que vale mesmo a pena, o que tem real importância para nós. Está tudo envolto numa espessa neblina, que nos tolda a visão e nos cega os afectos.

Vivemo-los às metades, porque dá muito trabalho e implica dispêndio de muita energia e dedicação vivermos os afectos no seu expoente máximo. E por isso dissecámo-los em quartos e amamos um bocadinho, apaixonamo-nos com contenção e entusiasmamo-nos moderadamente. Dizem que devemos entristecer apenas um pouco e alegrarmo-nos não mais que um pouco...mas isto de acondicionarmos os afectos e de os confinarmos a um espaço exíguo, totalmente inapropriado à sua desmesurada proporção, tem tido efeitos perversos em nós. Reduzimos a alegria e diminuímos a tristeza, andamos a colocar pesos na balança para alcançarmos um suposto equilíbrio que não é mais do que uma dormência camuflada, a escala que outrora era de 8 a 80 passou a ser apenas de 34 a 36, a alegria que outrora era vigorosa, passou a ser um sorriso forçado, a tristeza que outrora era compulsiva, é agora um enrugar de testa. Evitar a agonia do sofrimento, a dolorosa sensação de perda e o sacrificial sentimento de desilusão é proibitivo!

E todos sabemos intrinsecamente que qualquer desilusão não é doença crónica, que devidamente medicamentada, com a dose exacta de choro e de luto, é superável e nada mais nos restará do que passarmos à próxima ilusão. A decepção - a discrepância entre o que fantasiámos e a realidade com a qual nos deparamos - é apenas um facto da vida! É como esfolarmos os joelhos, partirmos uns ossos ou sangrarmos a pele, tudo curável, ficam apenas umas cicatrizes que nos permitem acumularmos histórias para contar. E, para além do mais, quando nos (re)iludimos, não temos obrigatoriamente como desfecho a desilusão, poderá acontecer mas também poderá tornar-se uma verdade, com as devidas demão de realidade! Agora se nos colocamos demasiadas vezes fora de combate (porque por vezes temos que dar uns quantos murros e pontapés para seguirmos com a nossa vida), verificamos que a falta de treino coloca-nos automaticamente numa situação de desvantagem…

Quando falo em nós, falo essencialmente em mim, que não sou espelho, nem reflexo dessa maioria silenciosa, falo única e exclusivamente em meu nome. Sempre intelectualizei os afectos, fiz o que de pior se pode fazer à afectividade, racionalizei-a e de tanta análise e dissecação! O meu mundo dos afectos tornou-se um deserto à espera de chuva, à espera que um dia se torne num vale verdejante. Mas também não foi por acaso que preferi tornar os meus afectos em solo erosivo, não sei em que altura da minha vida fiz essa escolha, se se sequer foi uma escolha mas o facto é que me tornei árida...
Esta erosão afectiva deu-me a falsa sensação de controlar os meus sentimentos, de moderar consoante a minha vontade a intensidade dos afectos. Talvez por um dia ter visto a dimensão que os meus afectos sem freio, sem ABS, sem contenção, assumiram e assustei-me, jurei-me a mim própria que nunca mais iria voltar a contactar com esse vampiro descontrolado e ávido de sangue.

Mas ao falar por mim, falo em nome de uns quantos que se possam rever nestes factos da vida, falo daqueles que se boicotam, que não se permitem amar ou simplesmente deixarem-se amar. Falo de quem tem tanto medo, que se deixa paralisar, recolhendo-se na sua zona de conforto, na qual não ama mas também não sofre, no conforto desconfortável de se entristecer apenas um bocadinho, de se alegra apenas um bocadinho.
O medo de facto paralisa, mas também nós podemos paralisar o medo, a escala foi reduzida, mas também nós podemos voltar a amplificá-la, nada está perdido, podemos inverter tudo aquilo que subvertemos. Devemos isso a nós próprios, ou ao criador (para quem tem a ventura de ter fé), amarmos intensamente, entristecermos ao ponto de não existirem mais lágrimas, alegrarmo-nos tanto até termos espasmos no rosto, rasgarmos o peito e ficarmos de coração aberto e quem brincar com ele, existe sempre o desfibrilhador que o voltará a pôr em funcionamento. Descontrolemo-nos, desesperemo-nos, nada compensa a contenção dos afectos, nada justifica ficarmos na zona de conforto apenas para não sofrermos, apenas para não nos desiludirmos, apenas para não esfolarmos os joelhos.
Se tivermos que levar uns quantos murros, damos uns quantos de volta, se tivermos que subir à mais alta montanha que o façamos, sem olharmos para baixo, se a queda tiver que ser alta, que seja, passamos uma temporada a medicamo-nos e a tratarmo-nos mas certamente sairemos mais reforçados, cheios de orgulho de nós e com o coração maior e pronto para ser novamente bombeado com afectos e emoções no expoente máximo da sua intensidade!

Desertor

A luz tarda em emergir
e o desalento enruga o rosto.

É tempo de fome de guerra,
que desmembra a carne
e implode o desejo contido.
É tempo de fragmentação,
que estilhaça a solidão
e me deixa órfã.

Revolto-me em pousio,
calo o grito do caos,
é inodoro este motim,
é consentida esta deserção!
Não tenho fome, nem paladar,
a sombra cravou-se na pele,
sou corpo cansado, inerte,
matéria que se volatiliza.

É tempo para não lembrar
mas lembro o que quero esquecer,
lembro quem quero esquecer!
É tempo para mudar,
mas a luz extingue-se
a tristeza entumece-se
e a carne do rosto esfuma-se.

Desfaço-me da pele morta,
despeço-me do sal húmido,
as mãos abandonam-me
e deixo-me ruir,
sem amparo,
sem inquietude,
sem rede…

É tempo para se ser,
mas já não sei ser o sou...

Ponte

Para não levar as coisas demasiado a sério, há que começar por uma brincadeira...e eu por enquanto brinco!

Not Available

Há dias em que chove mesmo estando o céu a estoirar azul, em que o tempo fica de tal forma lento, que numa espécie de sussurro, ouvem-se as suas partículas movimentarem-se no espaço cósmico. Há dias em que as saudades têm sabor a sal, em que nos resta entristecer, apenas queria fazê-lo de uma só vez, para nunca mais voltar a ter esta sensação de que tudo nos é roubado, de que nada é nosso, de que a própria vida é um empréstimo.
Não me sinto de lado nenhum, não me sinto de ninguém...

Há quem...

...procure o amor mas não queira amar!

Are not

E continuo exactamente aqui, nesta estrada redonda, neste fio sem horizonte, onde exactamente me deixaste, convencendo-me que já não és.

Crónicas de hortelã-pimenta

Tirou o quadro que estava pendurado na parede e limitou-se a encostá-lo a uma outra que recentemente pintara de vermelho sangue de boi. Não queria fazer mais buracos na parede, queria mantê-la intacta, não queria deixar cicatrizes permanentes nos pilares do seu lar. Ultimamente sentia-se como que num processo de mutação lento, quase surdo, que paulatinamente se instalara no corpo sem o seu consentimento, começando a deixar vestígios microscópicos da sua passagem, enrugando a tez, esbranquiçando o cabelo, avivando a suposta sapiência.
Estava a reflorestar o seu pequeno apartamento, precisava da natureza perto de si, sentir o verde dentro de uma urbanidade asfaltada, mas isso criava-lhe sentimentos contraditórios, não gostava de aprisionar plantas dentro de espaços exíguos apenas para seu regozijo. Mas naquele momento não podia permitir-se tais elevações, agia impulsivamente, descartava-se da reflexividade que desde sempre lhe restringira o seu raid de acção e limitava-se a agir por agir.
Estava a pensar ter um canteiro de ervas aromáticas, poejo aconselharam-lhe algumas pessoas, boa para chá e para fritar peixe em azeite aromatizado com esta erva, também hortelã-pimenta, coentros e salsa. Estava a reaprender-se…


のぞくトム

(Voyeurs)

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