Sem amargo de boca

Há feridas que insistem em não sarar por mais sal e sol que lhe depositemos à superfície, deixam vinco na pele por mais que a esfreguemos com pedra pomes, deixam impressa à flor da pele a lembrança de que esse jamais será o caminho a trilhar. E há conversas, as ditas importantes, as que dão amargo de boca, as que sabem a fel e cospem fogo para dentro, aquelas que nos dão um nó cego na garganta e nos fazem repensar quem somos, porque todas as outras, as frívolas, a menores, adocicam a boca e não incomodam, nem sequer beliscam a pele.
E depois há momentos que não se esquecem, que são breves mas intensos e que se estampam na memória até o tempo, o nosso, se esvair, aquele instante que desfere um golpe e nos põe a sangrar até toda a chuva de vermelho visco se esvair do nosso fragilizado corpo. A matéria é tão frágil quanto orgânica, depois da queda, apenas nos resta erguer e, como qualquer organismo vivo, seguirmos a nossa vida, com mais uma cicatriz no corpo, com mais um momento breve que nos marcou a pele, mas fazêmo-lo sempre na direcção norte, olhando somente de quando em vez para trás para nos relembrarmos que há atalhos que não nos levam longe.
E há gestos de afecto, carícias sem mão, o consolo do colo sem haver toque, e depois existes tu, longe, distante, sem te dares a conhecer, mas por quem eu insistentemente aguardo, sem pressa, a sarar cada ferida, a viver cada momento, em silêncio, sem amargo de boca…

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